segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Na saúde e na doença

Tenta o amor através da piedade, não consegue, e por isso tem auto-piedade e recebe hostilidade que gera mais auto-piedade... Ciclo destrutivo, ser cuidado também é carinho, mas não era melhor criar amor por amor? A velhinha de trás chora de dor, diz que caiu de manhãzinha ali na porta, fala de acidentes de carro (o interesse pela dor se abrange). A outra mulher, a do meu lado, dizia que não doera nada seu infarto porque na hora estava dormindo. Nessa hora até me agradou ter dor no peito: teria uma possibilidade de morte tranqüila. Ela contou da dor insuportável de fazer cateterismo - comecei a sentir medo.

Das 11:15, mais ou menos, às 13h... Depois das 15h até 17h, calculo que fiquei 4h esperando ser atendida no hospital. E ficaram mais que meia hora perguntando até que número eu calço pra eu ficar sabendo que... que eu não tenho nada. Quase nada. Porque a essa dorzinha contínua no peito que sinto há uma semana eu poderia dar qualquer diagnóstico, menos esse que me deram. Eu sei que sou exagerada, por isso evito ir ao hospital a não ser que esteja realmente preocupada ou incomodada. Como dessa vez eu estava achando que podia ser uma classuda tuberculose, um trágico câncer, um sopro no coração (isso soa tão bem!), mas como não sou uma personagem dramática, e sim tragicômica, eu tenho um feio, pobre, nojento negócio chamado refluxo ou algo assim, algo parecido com... azia. Sim, uma azia, me matem! Quem terá comiseração e orgulho de mim por eu ter uma simples azia, por meu estômago ser lerdo? E ainda me passam remédio pra tomar! 4 horas e meia jogadas fora, forinha! Porque não, eu não vou tomar remédio (meu dinheiro é exclusivo pra coisas supérfluas), não eu não vou inclinar minha cama, embora seja bem possível que eu morra, só de sacanagem, engasgada enquanto durmo (muito poético isso!). Eles ainda tiraram uma com a minha cara porque, numa das perguntas, descobriram que eu tinha ido ano passado no hospital por conta de uma dor no joelho - que acabou se diagnosticando como uma espécie de tendinite - e eu disse que não tinha tomado o remédio que me receitaram. Então o professor virou e disse algo como "é só o médico tocar na pessoa que sara". Ora, se não tomei foi porque fui lá só saber se era câncer ou algo assim, tomar analgésico é que eu não ia tomar, é só pra aliviar a dor, se ainda fosse algo pra me curar! Saí de lá envergonhada e me jurei que só vou no hospital de novo depois que estiver sentindo algo insuportável por um ano ou mais, posso quebrar mil costelas agora que irei ficar de repouso em casa.
Além de dois tabletes intermináveis de remédios (algo como 4 comprimidos a cada fase do dia), eles ainda me aconselharam a não tomar café, comer menos fritura, doce e principalmente chocolate. Parece brincadeira que além de tirarem meu único motivo pra férias e ganho de carinho extra, eles ainda querem tirar a única satisfação da minha vida que é comer besteira! Fiquei relembrando certa conversa que ouvi ontem dum cara que dizia que deveria ser proibido as pessoas fazerem piadas de cegos, de bêbados (que ele chamou de "uma doença tão terrível como o alcoolismo"), de etc. Poxa vida, se depender de vetar piadas prum mundo melhor e sério, prefiro um mundo pior engraçado. Imagina não poder rir de nossas desgraças, por exemplo! Eu nem teria um blog, sem isso.
E o remédio eu não compro não. Me convenci de que, sendo refluxo algo que não aparenta nada por fora, nem vale a pena. Melhor pegar esse dinheiro e em comprar camisetas, tinta pra cabelo, café, batata frita, doce, chocolate. Ao menos os dois primeiros todos irão ver, elogiar e quem sabe me dar os tais carinhos extras. Afinal, eu posso estar morrendo por dentro, estando impecável por fora é o que importa. E pra unhas quebradas existe postiças, rosto pálido maquiagem, cabelo feio química. Pra superficialidade e burrice eu posso pelo menos andar com um livro intelectual por aí e fingir que leio ou estampar pelas ruas com minha bolsa de Letras na Federal. Se aparência não fosse fundamental as pessoas não vestiriam nem maquiariam defuntos. Ou não investiriam em lápides, pelo menos urna bonitona. Enfim, beleza é mais importante que a própria vida. Geralmente são bonitas obras com gente morrendo no final.

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