sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Amanhã é meu aniversário

Terminava a aula e a professora perguntou:
- Qual texto do Lima Barreto vocês preferem ver na próxima aula: o da vagabunda ou fui buscar lã?
Teve silêncio, minha classe é irritantemente quieta como se falar fosse cometer o pecado de se tornar interessante. Alguém precisa avisar a eles que, se falarem que não se preocupem, no caso deles é impossível ficar interessante. Então eu respondi:
- O Uma Vagabunda.
Professora: - Todos concordam com a vagabunda?
"Sim", todos concordaram com a professora.

Amanhã é meu aniversário de vinte anos. Daniel me comprou uma câmera digital de presente que ainda não chegou - deu merda na loja que vendia. Todos os dias, quando entro ou saio, pergunto na portaria se chegou alguma coisa... eles já nem esperam eu terminar a pergunta e dizem "ainda não". Mas hoje, quando cheguei, nem perguntei e a porteira disse: "tenho um presentinho aqui pra você". Então ela retirou de trás do balcão uma carta: a conta do aluguel. Dei um risinho de "ahaha! sua espertinha!" e fui pegar o elevador pensando em perguntar se ela conhecia a complexidade da palavra vaca, que tanto pode ser substantivo como, no caso, adjetivo.

Meus sentimentos de hoje não são os melhores - nem criativos. Acordei discursando em inglês pro meu amigo imaginário (afinal só em imaginação eu falo inglês ou francês) sobre o sentido/rumo da vida. Era assim: "you know... when we... birth (?)...", que queria dizer: então, quando a gente nasce dizem pra gente que seremos felizes e a gente pensa - ora mas isso é óbvio! Porque os pais nos fazem para ser felizes e acreditam que a gente será ainda mais feliz que eles. Não é? Não no caso dos meus pais, mas no meu caso seria... e eu me auto-criei imaginariamente porque meus pais não seriam a melhor referência. Então é que seria óbvio que seríamos felizes quando crescêssemos, senão os adultos não estariam aí pra fazer mais gente, já teriam ido pro beleléu. Assim, estamos tão confiantes que ao crescer o futuro será uma beleza, que nem nos preocupamos com nada. Também já dizia a Kirsten Dunst no Brilho Eterno que, quando nascemos, somos bebês novinhos em folha, tão... puros, e aí os pais - e o mundo inteiro - começam a atochar merda em nossas cabeças que então crescemos e viramos esses adultos cheios de tristezas e fobias. É por aí, porque ontem ao sentir o Daniel me abraçando pra dormir da mesma forma que minha mãe fazia quando eu dormia criança eu até me senti pequena e tentei resgatar minha sensação de abraço da infância. Mas não deu: por causa das tristezas e das fobias. Eu dizia pro meu amigo imaginário que a gente cresce e, não se sentindo muito feliz, tentamos criar adjetivos/objetivos pra felicidade. Tentamos independência - não dá certo. Tentamos amor - também não dá. Tentamos deus - não adianta. Tentamos dinheiro - não dá. Tentamos arte - grande bosta. Teimosia - não adianta. Aí é que depois de muitas frustrações, quando chegamos realmente à conclusão de que não dá mesmo, aí já somos velhos... e, por sorte, estamos perto da morte. Está aí porque a vida é perfeita, porque não muita gente se suicida, porque ainda fazem filhos depois de maduros: porque a frustração total demora. Se meu amigo imaginário existisse, nessa hora estaria dormindo.

Mas é isso aí, amanhã é meu aniversário, Daniel tentará me agradar da forma incopetente como sempre, eu idem e então chegará meia-noite e, é verdade, teremos comido bastante. Espero que bebido também e chegado ao meu primeiro porre com um brilhante coma alcoólico - porque eu não sou mulher de meias-medidas.
Ou então eu componho um belo poema - tudo é forma de fugir da realidade, de qualquer forma, mas é mais fácil beber no meu caso. Quem sabe eu consiga ultrapassar os versos de Álvaro de Campos muito mais que só em vida:

"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
"

...porque "Parabéns pra você" é comum, mentiroso e, ainda por cima, agourento.
E, meu deus, eu realmente não queria estar depressiva pra poder fugir da moda de massa e fazer mais pose blasé... só que é tão difícil pra mim, tão exageradamente trágica e franca! Se eu puder pedir um presente pro papai do céu nesse aniversário vai ser: quero aprender pelo menos a fazer pose. Acho que agora o segredo da felicidade está aí ;).

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